Os bispos presentes na 61ª Assembleia Geral da CNBB em Aparecida, SP, começaram seu encontro anual com um retiro espiritual ministrado pelo secretário de Estado do Vaticano, cardeal Pietro Parolin. Em sua primeira fala, Parolin relembrou uma declaração do Papa Francisco de 2013 durante sua visita ao Brasil, enfatizando o empenho dos bispos e, principalmente, o compromisso com as regiões mais desafiadoras do país. Ele também expressou o desejo de seguir o mesmo caminho espiritual do Episcopado brasileiro, como um peregrino entre os irmãos.
O secretário de Estado do Vaticano iniciou a reflexão com o tema da sinodalidade, amplamente refletido na Igreja desde 2019 a pedido do Papa Francisco. Parolin destacou as três diretrizes propostas pelo pelo sucessor de Pedro: comunhão, participação e missão. Estes termos representam a essência mais profunda da Igreja e refletem sua origem transcendente. Segundo o prelado, o retiro nos convida a “contemplar em silêncio e saborear nas profundezas do nosso espírito a beleza da Igreja sinodal, como manifestação da própria vida trinitária”.
Parolin ressaltou que a “Igreja, concebida independentemente de Cristo, perde todo o seu significado, perde a sua própria identidade”. Ele lembrou a declaração conciliar da Lumen Gentium (Luz das Nações) de que “a luz dos povos é Cristo” e concluiu sua primeira reflexão apresentando a comunhão, a participação e a missão como três notas e raios dessa luz de Cristo que iluminam o rosto da Igreja.
Comunhão: raio de luz no rosto da Igreja
Iniciando a primeira nota sobre a sinodalidade refletiu sobre a importância da comunhão, citando o documento conciliar Lumen Gentium (Luz das Nações), que afirma: “o primeiro raio da luz de Cristo que resplandece no rosto da Igreja é a comunhão”. Ele citou uma fala do Papa Francisco à Cúria Romana em 2021 sobre o fortalecimento da comunhão por meio da oração, da escuta da Palavra e do estabelecimento de relações que ultrapassam o simples trabalho.
Parolin salientou a importância da delicadeza nas relações eclesiais dentro de uma visão de comunhão, frisando a necessidade de trabalhar em equipe, buscando o bem comum, reconhecendo a diversidade como riqueza, e evitando facções, interesses individuais e rivalidade. Ele baseou sua reflexão na primeira carta de Paulo à comunidade de Corinto, explorando a relação entre o corpo e a sinodalidade, e afirmando que “a Igreja é realmente o seu Corpo, o seu ‘prolongamento’ somático na história e no mundo”.
Destacou que a vida de Cristo circula nas veias da Igreja graças aos sacramentos e à ação do Espírito Santo, implicando uma constante necessidade de evolução e crescimento, assim como um organismo vivo. Afirmou ainda que o amor é central em qualquer reforma ou conversão pastoral, pois sem ele se torna apenas um ajuste estético ou expediente organizativo que reduz o sentido de ser Igreja.
Parolin concluiu sua reflexão, no primeiro dia de retiro, sobre a comunhão como uma estima recíproca, fundamentada no amor mútuo, incentivando a prática diária dessa estima na vida cotidiana e pastoral nos ambientes eclesiais. Ele encerrou sua fala, na manhã do segundo dia, destacando a importância de incluir a estima recíproca, pautada no amor, nos programas pastorais, como forma de criar um clima positivo de confiança mútua e de colaboração entre agentes pastorais e membros das comunidades.
Linha da primeira reflexão: Comunhão
Celebração Eucarística
No segundo dia do retiro, a Celebração Eucarística foi presidida pelo cardeal e concelebrada pelos bispos jubilares que celebraram ou celebrarão 25, 50 e 60 anos de Ordenação Episcopal entre o último ano e este ano.
Durante sua homilia, o cardeal meditou sobre as passagens bíblicas de Atos 5,27-33 e João 3,31-36, ressaltando a profundidade do testemunho de São João Batista e a extraordinária grandeza de Jesus Cristo, o Redentor.
Participação: uma construção conjunta
Durante sua segunda reflexão, dom Pietro Parolin continuou com as reflexões do retiro, enfatizando a segunda nota sobre sinodalidade, a participação. Ele ressaltou que a corresponsabilidade se concretiza em torno de um projeto compartilhado por várias pessoas, nas quais cada uma colabora ativamente. Para ilustrar essa ideia, ele comparou a participação à construção de um edifício, uma “casa de Deus”, que deve ser erguida em conjunto, como família, em comunidade.
Parolin explicou que os primeiros cristãos desenvolveram a convicção de que o Deus de Israel já não habitava no templo de Jerusalém ou nas sinagogas, mas vivia precisamente entre eles, em suas casas e relações domésticas. Assim, graças à presença do Ressuscitado na vida dos primeiros cristãos, a casa onde se reuniam em assembleia tornou-se a casa de Deus. A participação, dessa forma, nos conduz a “edificar juntos” essa casa de Deus.
O secretário de Estado do Vaticano comparou a Igreja a um edifício único, onde cada um tem o seu lugar e papel a desempenhar, enfatizando a necessidade de se ver a Igreja como um “canteiro de obras aberto”, sempre em contínuo crescimento e nunca concluído. Segundo Parolin, os cristãos são “pedras vivas” que devem se aproximar da rocha que é o próprio Cristo, definido como “pedra viva, rejeitada pelos homens, mas escolhida e valiosa aos olhos de Deus” (Sl 118, 22).
Parolin destacou as “implicações eclesiais” dessa metáfora, observando que, se a Igreja está crescendo (Ef 2, 21), ela deve ser considerada um canteiro de obras sempre em construção, jamais concluído de maneira definitiva. Por um lado, isso exige muita humildade, porque nunca se chega ao fim; por outro, requer a colaboração de todos. Cada batizado, ao seu modo, é apenas uma simples pedra, igualmente necessária para a construção do Edifício que é a Igreja de Cristo.
Parolin concluiu a segunda reflexão destacando que a paciência é fundamental nesta participação na construção sinodal e espiritual que a Igreja nos pede. A construção de uma comunidade unida e comprometida com sua missão demanda tempo, humildade e colaboração de todos os membros.
Link da segunda reflexão - Participação
Celebração Penitencial
Durante o retiro dos bispos, uma Celebração Penitencial presidida por Dom João Inácio Müller, arcebispo de Campinas, teve um lugar especial. Nesta celebração, os prelados brasileiros puderam refletir sobre o caminho proposto pela Quaresma e pela Campanha da Fraternidade, focando na amizade social e na fraternidade entre irmãos. Dom João destacou que, embora sejamos sempre frágeis, somos chamados a reassumir nosso propósito batismal, nutrindo esperança, fé e caridade para vivenciar a fraternidade evangélica.
Baseando-se no trecho do Evangelho de Mateus 5:13-16, Dom João refletiu sobre como Jesus forma seus discípulos para a excelência de sua vida. Assim como o sal dá sabor, conserva e preserva os alimentos contra a corrupção, “o discípulo é chamado a manter longe os perigos e os germes corrosivos que poluem a vida das pessoas”. O arcebispo ressaltou o chamado de Jesus para seus discípulos serem “luz do mundo”, afirmando que “é tarefa do discípulo dispersar as trevas e fazer resplandecer a luz de Cristo por meio do anúncio do Evangelho e, principalmente, pelas boas obras”.
Após um momento de reflexão e do sacramento da confissão, em que os bispos ouviram e orientaram uns aos outros, a celebração penitencial foi concluída com um louvor a Deus por sua misericórdia.
Missão: raio de luz que emana de Cristo
Na tarde do segundo e último dia de retiro, o cardeal Pietro Parolin continuou suas reflexões, enfatizando a terceira nota da sinodalidade, a missão. Ele comparou essa missão a um raio de luz que emana de Cristo e ilumina o rosto e o percurso sinodal da Igreja. Parolin explicou que essa luz brilha na natureza comunicadora do Povo de Deus, que não caminha pelo mundo e pela história apenas para sua própria preservação, mas com o objetivo de servir à presença do Reino e anunciar Cristo àqueles que não O conhecem.
O cardeal destacou a importância de centrar nossa contemplação no significado do envio missionário e na atitude hospitaleira que a Igreja deve ter a partir dessa missão. Parolin afirmou que “a missão é uma iniciativa do Pai”, que enviou o Filho ao mundo para salvá-lo, não para julgá-lo (cf. Jo 12, 47). Ele enfatizou que o impulso inicial da missão deve estar enraizado na consciência de que a força não vem de nós mesmos, mas da presença de Cristo e do Espírito em nós.
A partir dessa consciência, Parolin destacou que todas as funções na Igreja devem ser articuladas de forma harmoniosa dentro de uma grande tarefa comum: “Todos os batizados, juntos, continuam a obra de Cristo”. Ele ressaltou a necessidade de uma imersão profunda no mistério de Deus para estarmos verdadeiramente junto ao nosso povo e, ao mesmo tempo, uma real imersão nos acontecimentos do nosso povo para estarmos verdadeiramente no coração de Deus.
Dom Pietro Parolin concluiu sua reflexão afirmando que a atividade missionária, como terceiro raio de luz, não pode ser empreendida como tarefa individual, mas deve ser vivida “em conjunto” como uma luz que provém de Cristo e ilumina o caminho sinodal da Igreja. A missão é uma jornada compartilhada que brilha a partir de Cristo, revelando a essência da Igreja e guiando-a em seu caminho de fé e serviço.
Link da terceira reflexão - Missão
Parolin, ao concluir o retiro, enfatizou o desafio dos cristãos de se sentirem como “um único todo, um sujeito coletivo que pensa, reza, ama, sofre, espera, decide e caminha em conjunto”. Lembrou o contexto em que a Igreja vive, destacando os eventos futuros da segunda etapa do Sínodo, em outubro de 2024, e o Jubileu de 2025, precedido pelo Ano dedicado à Oração. Parolin frisou que o itinerário sinodal tem como objetivo final a vida eterna em Deus. Ele expressou o desejo de que a luz divina, que brilha no rosto da Igreja, ilumine o caminho sinodal de participação, comunhão e missão em toda a Igreja.
Com informações da CNBB