Aos sacerdotes, diáconos, religiosos, religiosas, seminaristas, a todos os fiéis leigos.
Tem chegado a mim, solicitações a respeito da possibilidade do passeio do Santíssimo Sacramento em carro aberto pelas ruas das cidades em nossa Diocese, com a justificativa de proporcionar aos fiéis o devido conforto espiritual e para que os mesmos recebam a bênção já que se encontram reclusos em suas residências, privados das missas dominicais e, consequentemente, da Eucaristia.
É um procedimento que tem se multiplicado em vários lugares do Brasil e no mundo neste tempo de pandemia e visualizado por milhares de fiéis através dos meios de comunicação, principalmente via internet. Porém, não se trata de uma norma decretada pela competente autoridade da Igreja, refiro-me a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos para tempos de pandemia ou epidemia.
No ofício de Bispo e liturgo da Diocese, tenho o dever de orientar os fiéis em relação ao que a Igreja prescreve para o culto ao Santíssimo Sacramento e fazer cumprir o que a legítima e suprema autoridade dita como normas para a Igreja presente no mundo.
Para que o Ordinário do lugar conceda permissão a um procedimento como o que se postula, faz-se mister responder a seguinte questão: A situação atual exige realmente uma procissão eucarística fora das normas litúrgicas ou será apenas um modismo imitando atitudes alheias? Cito dois exemplos dignos e eficazes da presença da Igreja, como mãe que conforta seus filhos, no momento sério em que a humanidade se encontra: Na Arquidiocese de São Salvador da Bahia, cuja sede metropolitana a nossa Diocese é sufragânea, o Senhor Arcebispo permitiu que se levasse às ruas a imagem do Senhor do Bonfim, ícone da fé do povo baiano. Assim, aquela Igreja firmou a sua solidariedade para com a população soteropolitana sem precisar submeter o Santíssimo Sacramento a um momento extraordinário onde, talvez, poderia correr algum risco de irreverência ou profanação por parte de algum transeunte pelas ruas da capital. Outro exemplo que emocionou o mundo foi a ação do Santo Padre na Praça de São Pedro, com a bênção do Santíssimo. O Papa Francisco, sem lançar-se a nenhuma ação não convencional, num momento rico em espiritualidade, fez a meditação da Palavra de Deus e o Santíssimo Sacramento foi exposto no altar localizado no átrio da Basílica do Vaticano e, após alguns momentos de adoração e súplicas, seguiu o rito da Bênção "Urbi et Orbi" com o Santíssimo.
Algumas instruções a respeito ao culto público direcionado ao Santíssimo Sacramento:
A Instrução Eucharisticum Mysterium, n°59, o Ritual sobre a Sagrada Comunhão e o culto Eucarístico fora da Missa afirma que: “Cabe ao Ordinário do lugar julgar sobre a oportunidade de tais procissões nos tempos atuais e também sobre o lugar e a organização para que sejam realizadas com dignidade e sem prejuízo de reverência devida ao Santíssimo Sacramento.” (cf. também, Instrução Redemptionis Sacramentum, n. 142-143).
“Entre as procissões eucarísticas adquire importância e significado especiais na vida pastoral da paróquia e da cidade a que costuma ser realizada cada ano na solenidade do Corpo e Sangue de Cristo ou noutro dia mais apropriado perto desta solenidade” (Ritual sobre a Sagrada Comunhão e o Culto Eucarístico fora da Missa, n. 102).
Além disso, o mesmo documento lembra que “convém que a procissão com o Santíssimo Sacramento se realize após a Missa na qual se consagrará a hóstia a ser levada na procissão. Nada impede que a procissão seja feita também após uma adoração pública e prolongada depois da Missa” (n. 103).
O Papa Bento XVI na Exortação Apostólica Pós-Sinodal Sacramentum Caritatis diz que “conservam todo o seu valor as formas já existentes de devoção eucarística”, como por exemplo, “as procissões eucarísticas, sobretudo a tradicional procissão na solenidade do Corpo de Deus” e que “devidamente atualizadas e adaptadas às diversas circunstâncias, tais formas de devoção merecem ser cultivadas ainda hoje.” (n. 68; cf. também Instrução Redemptionis Sacramentum, n. 144).
Novamente retomo a Instrução “Eucharisticum Mysterium”, a qual chama atenção para a Eucaristia enquanto “Renovação do Novo Pacto ou Aliança”, aduzindo que “o culto eucarístico fora da missa precisa considerar o mistério eucarístico em toda sua plenitude, tanto na missa quanto as sagradas espécies que são conservadas depois da missa” (EM 3).
Portanto, este documento do Magistério da Igreja nos adverte que qualquer devoção fora desse contexto coloca em dúvida o Mistério e que na atual circunstância, o Sacramento pode se tornar um AMULETO.
Por levar em consideração o Magistério da Igreja, bem como a orientação do Ministério da Saúde a respeito do distanciamento social, como também a impossibilidade do povo cristão em dar testemunho público de fé e piedade para com o Augusto Sacramento, oriento a não realização de tais procissões, nada impedindo que o Santíssimo Sacramento seja exposto nas Igrejas Paroquiais e os fiéis, com os devidos cuidados e com as orientações dos profissionais da saúde, possam ir alternadamente adorá-lo.
Neste tempo difícil, quando o povo sofre de tantos males causados por esta pandemia, oriento os sacerdotes a não se ausentarem das paróquias, a não ser por problemas de saúde ou outra situação semelhante grave. Nós, ministros sagrados, precisamos estar a postos para, em qualquer eventualidade, socorrermos os fiéis que nos foram confiados.
Estejamos em orações constantes suplicando a Deus por sua misericórdia. Que Nossa Senhora do Bom Sucesso, nossa Excelsa Padroeira, interceda por todos junto a seu Filho muito amado.
Com estimas de uma Feliz Páscoa para todos!
Cruz das Almas, 09 de abril de 2020, por ocasião da Quinta-feira da Paixão do Senhor Jesus.
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